GLOSSÁRIO “PEDAGOGIA DO OPRIMIDO”
Glossário baseado no capítulo 3 da “Pedagogia do oprimido”*:
Codificação: representação (em desenho, fotografia ou mesmo oral) de uma situação existencial concreta dos educandos a ser investigada, com alguns elementos em interação. “Na ‘codificação’ se procura re-totalizar o tema cindido, na representação de situações existenciais” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 135, nota 38)
Conscientização: é diferente do simples “tomar consciência”. Envolve dois momentos dialeticamente relacionados: o desvelamento da realidade (a passagem da imersão à emersão das consciências) e a inserção na realidade para transformá-la (a ação). “Conscientização, é óbvio, que não pára, estoicamente, no reconhecimento puro, de caráter subjetivo, da situação [opressora], mas, pelo contrário, que prepara os homens, no plano da ação, para a luta contra os obstáculos à sua humanização” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 132)
Descodificação: análise crítica da situação codificada. Apresenta dois movimentos: a descrição da situação representada e sua investigação crítica. “Na ‘descodificação’, os indivíduos, cindindo a codificação como totalidade, apreendem o tema ou os temas nela implícitos ou a ela referidos. Esse processo de ‘descodificação’ que, na sua dialeticidade, não morre na cisão, que realizam na codificação como totalidade temática, se completa na re-totalização de totalidade cindida, com que não apenas a compreendem mais claramente, mas também vão percebendo as relações com outras situações codificadas, todas elas representações de situações existenciais” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 135, nota 38). Na descodificação os homens exteriorizam sua visão de mundo, sua forma de pensar a realidade, sua percepção da “situação-limite”.
Diálogo: não é depósito de ideias de um sujeito no outro, nem simples troca de ideias a serem consumidas, muito menos uma polêmica ou uma imposição da verdade de um sujeito sobre o outro, por isso também não é doação ou instrumento de conquista do outro. O diálogo é uma exigência existencial. Os seres humanos se constituem em sua própria existência pelo diálogo. “A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronuciantes, a exigir deles novo pronunicar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 90). O diálogo, portanto, é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, pronunciam-no para transformá-lo e humanizá-lo. A conquista envolvida no diálogo é a conquista do mundo para a libertação dos homens. Os elementos constitutivos do diálogo são: o amor; a humildade; a fé nos homens, em seu poder de criar e recriar; a confiança entre os sujeitos dialogantes; a esperança e o pensar crítico.
Inédito viável: tal conceito sintetiza toda uma compreensão da condição humana. Expressa a dinâmica da existência (pessoal e social) na sua relação entre condicionamento e liberdade. Freire o toma do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto (cf. Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 104-10). O inédito viável é o sonho utópico vislumbrado como uma possibilidade real além do nosso condicionamento sócio-econômico-político, isto é, da “situação-limite” em que nos encontramos pessoal e coletivamente. Entretanto, essa realidade nova possível só se concretiza através de “atos-limites”, ou seja, de uma prática libertadora que negue e supere a “situação-limite”. Para um detalhamento do conceito de inédito viável, cf. o verbete homônimo escrito por Ana Freire no Dicionário Paulo Freire e a nota 1 de Pedagogia da Esperança.
Redução: redução não é simplificação ou fragmentação de um tema. “Na ‘redução’ temática, que é a operação de ‘cisão’ dos temas enquanto totalidades, se buscam seus núcleos fundamentais, que são as suas parcialidades. Desta forma, ‘reduzir’ um tema é cindi-lo em suas partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 135, nota 38).
Tema gerador: aquele “que contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem ser cumpridas”. (Pedagogia do Oprimido, 42 ed. p. 108, nota 18)
“Temas dobradiça”: temas não sugeridos pelo povo quando da investigação dos temas geradores e que são acrescentados pelos educadores. “Como tais [esses “temas dobradiça”], ora facilitam a compreensão entre dois temas no conjunto da unidade programática, preenchendo um possível vazio entre ambos, ora contêm, em si, as relações a serem percebidas entre o conteúdo geral da programação e a visão do mundo que esteja tendo o povo” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 134). A inclusão desses temas corresponde à dialogicidade da educação, isto significa que os educadores também têm o direito de incluir temas à construção do conteúdo programático, e não apenas recolhê-los dos educandos. Exemplo de ‘tema dobradiça” é o conceito antropológico de cultura.
Unidade epocal: “Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de ideias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de muitas dessas ideias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também, os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época. [...]. O conjunto de temas em interação constitui o ‘universo temático’ da época” (Pedagogia do Oprimido, 42 ed., p. 107)
* elaborado por Rodrigo Marcos