"Diálogos com Paulo Freire": 2011/1º!

Neste primeiro semestre de 2011 o blog disponibilizará os instrumentos de pesquisa (mapas/sínteses conceituais, perguntas, glossários, bibliografias), textos, etc. produzidos durante a disciplina optativa "Diálogos com Paulo Freire".
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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Vale a pena ler...


Atualizar a pedagogia face ao mundo mudado

Leonardo Boff

Séculos de guerras, de confrontos, de lutas entre povos e de conflitos de classe nos estão deixando uma amarga lição. Este método primário e reducionista não nos fez mais humanos, nem nos aproximou mais uns dos outros e muito menos nos trouxe a tão ansiada paz. Vivemos em permanente estado de sítio e cheios de medo. Alcançamos um patamar histórico que, nas palavras da Carta da Terra, "nos conclama a um novo começo". Isto requer uma pedagogia, fundada numa nova consciência e numa visão includente dos problemas econômicos, sociais, culturais e espirituais que nos desafiam.

Esta nova consciência, fruto da mundialização, das ciências da Terra e da vida e também da ecologia nos está mostrando um caminho a seguir: entender que todas as coisas são interdependentes e que mesmo as oposições não estão fora de um Todo dinâmico e aberto. Por isso, não cabe separar mas compor, incluir ao invés de excluir, reconhecer, sim, as diferenças mas também buscar as convergências e no lugar do ganha-perde, buscar o ganha-ganha.

Tal perspectiva holística vem influenciando os processos educativos. Temos um mestre inolvidável, Paulo Freire, que nos ensinou a dialética da inclusão e a colocar o "e" onde antes púnhamos o "ou". Devemos aprender a dizer "sim" a tudo aquilo que nos faz crescer no pequeno e no grande.

Frei Clodovis Boff acumulou muita experiência trabalhando com os pobres no Acre e no Rio de Janeiro. Na esteira de Paulo Freire, entregou-nos um livrinho que se tornou um clássico: "Como trabalhar com o povo". E agora face aos desafios da nova situação do mundo, elaborou um pequeno decálogo daquilo que poderia ser uma pedagogia renovada. Vale a pena transcrevê-lo e considerá-lo pois nos pode ajudar e muito.

1."Sim ao processo de conscientização, ao despertar da consciência crítica e ao uso da razão analítica (cabeça). Mas sim também à razão sensível (coração) onde se enraizam os valores e de onde se alimentam o imaginário e todas as utopias.

2. Sim ao "sujeito coletivo" ou social, ao "nós" criador de história ("ninguém liberta ninguém, nos libertamos juntos"). Mas também sim à subjetividade de cada um, ao "eu biográfico", ao "sujeito individual" com suas referências e sonhos.

3. Sim à "praxis política", transformadora das estruturas e geradora de novas relações sociais, de um novo "sistema". Mas sim também à "prática cultural" (simbólica, artística e religiosa), "transfiguradora" do mundo e criadora de novos sentidos ou, simplesmente, de um novo "mundo vital".

4. Sim à ação "macro" ou societária (em particular à "ação revolucionária"), aquela que age sobre as estruturas. Mas sim também à ação "micro", local e comunitária ("revolução molecular") como base e ponto de partida do processo estrutural.

5. Sim à articulação das forças sociais sob a forma de "estruturas unificadoras" e centralizadas. Mas sim também à articulação em "rede", na qual por uma ação decentralizada, cada nó se torna centro de criação, de iniciativas e de intervenções.

6. Sim à "crítica" dos mecanismos de opressão, à denúncia das injustiças e ao "trabalho do negativo". Mas sim também às propostas "alternativas", às ações positivas que instauram o "novo" e anunciam um futuro diferente.

7. Sim ao "projeto histórico", ao "programa político" concreto que aponta para uma "nova sociedade". Mas sim também às "utopias", aos sonhos da "fantasia criadora", à busca de uma vida diferente, enfim, de "um mundo novo".

8. Sim à "luta", ao trabalho, ao esforço para progredir, sim à seriedade do engajamento. Mas sim também à "gratuidade" assim como se manifesta no jogo, no tempo livre, ou simplesmente, na alegria de viver.

9. Sim ao ideal de ser "cidadão", de ser "militante" e "lutador", sim a quem se entrega, cheio de entusiasmo e coragem, à causa da humanização do mundo. Mas também sim à figura do "animador", do "companheiro", do "amigo", em palavras pobres, sim a quem é rico de humanidade, de liberdade e de amor.

10. Sim a uma concepção "analítica" e científica da sociedade e de suas estruturas econômicas e políticas. Mas sim também à visão "sistêmica" e "holística"da realidade, vista como totalidade viva, integrada dialeticamente em suas várias dimensões: pessoal, de gênero, social, ecológica, planetária, cósmica e transcendente."

Publicado em: www.adital.com.br. Dia 13.09.10.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Autores citados por Paulo Freire no Capítulo 2 de "Educação como prática da liberdade"

Zevedei Barbu - foi um professor romeno, nascido em 1914 na Transylvania, 
publicou importantes livros, Dictatorship em Democracy, 1956, e Problems of Historical Psychology, 1960, quando recebeu convite para vir ao Brasil pelo então Reitor da Universidade de Brasília, José Carlos Azevedo (1976). Na UnB, Barbu se concentrou em problemas de filosofia política e, particularmente, de sociologia no respectivo Departamento cujo decano era Gentil Martins Dias. Para a Editora da UnB, escreveu um pequeno ensaio introdutório ao grande livro de Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução. Já então com residência fixa em Brasília, aposentou-se em 86 e, numa quase penúria, faleceu seis anos depois.

Tocqueville - Alexis Henri Charles Clérel, visconde de Tocqueville, dito Alexis de Tocqueville  (29 de Julho de1805 - 16 de Abril de 1859) foi um pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa, cuja pertinência foi destacada por François Furet, da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral.

Caio da Silva Prado Júnior - (São Paulo, 11 de fevereiro de 1907 — São Paulo, 23 de novembro de 1990) foi um historiador, geógrafo, escritor, político e editor brasileiro. As suas obras inauguraram, no país, uma tradição historiográfica identificada com o marxismo, buscando uma explicação diferenciada da sociedade colonial brasileira. Em 1933, Caio Prado Junior publicou A evolução política do Brasil. Nessa obra, editada às suas expensas, o jovem historiador buscou traçar a síntese da nossa evolução política, bem como fez uso de uma nova chave de interpretação científica – o materialismo dialético – para o entendimento do nosso passado e a elucidação dos fatos sociais que condicionavam o destino do país. Em Evolução política do Brasil, Caio Prado Junior fez trabalho de pioneiro e deixou claro um de seus principais objetivos a que se propôs: “Mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa história os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefício se faz a história oficial”. Dito de outro modo: deslocou o foco da análise histórica para a ação política das camadas populares.

Viana Moog Filho de Marcos Moog, funcionário público federal, e de Maria da Glória Viana, professora pública, foi aluno da escola dirigida por sua mãe na cidade natal e, depois, do Colégio Elementar Visconde de São Leopoldo.
Queria seguir a carreira militar e por esta razão foi para o Rio de Janeiro, para prestar exame na Escola Militar do Realengo. Como, porém, naquele ano não se abrissem as provas vestibulares, voltou para Porto Alegre, onde trabalhou algum tempo no comércio e, em 1925, matriculou-se na Faculdade de Direito. Foi nomeado, no mesmo ano, guarda-fiscal interino da Repressão ao Contrabando na Fronteira e designado para a Delegacia Fiscal de Porto Alegre. Em 1926 prestou concurso para agente fiscal de imposto de consumo e serviu dois anos na cidade de Santa Cruz do Sul e um ano na cidade de Rio Grande. Viana Moog formou-se em em 1930 e, no mesmo ano, participou da Aliança Liberal. Contrário à ditadura de Getúlio Vargas, participou da Revolução de 1932, tendo sido preso e removido para o Amazonas. Anistiado, retornou ao Rio Grande do Sul em 1934.
Foi representante do governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA) e na Organização das Nações Unidas (ONU). Faleceu aos 81 anos, vítima de uma parada cardíaca após uma intervenção cirúrgica.

Padre Manuel da Nóbrega Nasceu em Portugal em 1517 e faleceu no Rio de Janeiro em  1570, foi um sacerdote jesuíta português, chefe da primeira missão jesuítica à América. As cartas enviadas a seus superiores são documentos históricos sobre o Brasil colónia e a acção jesuítica no século XVI.

Giovanni Antonio ou João Antônio Andreoni - Que adotou o nome André João Antonil (Lucca, Toscana, 8 de fevereiro de 1649Salvador, 13 de março de 1716) foi um jesuíta italiano. Formou-se em Direito Civil pela Universidade de Perúgia depois de ali estudar três anos. Aos dezoito anos, em maio de 1667, ingressou na Companhia de Jesus, em Roma, vindo a lecionar ali no seminário jesuíta. Chegou a Salvador, na Capitania da Bahia, em 1681, nunca mais tendo deixado a cidade, onde veio a falecer, em 1716. Aqui exerceu o cargo de Reitor do Colégio por duas vezes, tendo sido o Provincial de 1705 a 1709. Fez breves visitas à Capitania de Pernambuco e à do Rio de Janeiro. Observador atento, notadamente da economia, escreveu com profundidade e erudição sobre a realidade econômica da Colônia, notadamente a produção de açúcar, de tabaco, sobre a criação de gado e a mineração, embora sobre esta última baseado apenas em informações de terceiros. Além de apresentar dados sobre a produção, descreveu ainda as técnicas produtivas então utilizadas, comentando as condições de trabalho, sociais e políticas. Em 1711, publicou em Lisboa a obra Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, certamente escrita até 1710, com todas as licenças indispensáveis. O livro é considerado o melhor que se escreveu sobre as condições sociais e econômicas do Brasil no início do século XVIII. Quanto à sua obra, a Coroa, advertida do risco de divulgação de tão detalhadas informações sobre as drogas e minas da sua principal Colônia, proibiu-a e confiscou os seus exemplares. Os poucos que restaram, tornaram-se raridades bibliográficas. Essencial para a compreensão da vida social e econômica do Brasil colônia, só viria à luz em 1837, quando foi integralmente reeditada, no Rio de Janeiro.

Gilberto de Mello Freyre - Recife, 15 de março de 1900 — Recife, 18 de julho de 1987) foi um sociólogo, antropólogo,escritor e pintor brasileiro. Freyre estudou na Universidade de Columbia nos Estados Unidos onde conhece Franz Boas, sua principal referência intelectual. Em 1922 publica sua tese de mestrado "Social life in Brazil in the middle of the 19th century" (Vida social no Brasil nos meados do século XIX),dentro do periódico Hispanic American Historical Rewiew, volume 5. Com isto obteve o título Masters of Arts. Seu primeiro e mais conhecido livro é Casa-Grande & Senzala, publicado no ano de 1933.

Fernando de Azevedo - (São Gonçalo do Sapucaí, 2 de abril de 1894São Paulo, 18 de setembro de 1974) foi um professor, educador, crítico, ensaísta e sociólogo brasileiro. Publicou a obra Cultura brasileira em 1943.

Aristides Lobo - Aristides da Silveira Lobo (Cruz do Espírito Santo, 12 de fevereiro de 1838Barbacena, 23 de julho de 1896) foi um jurista, político e jornalista republicano e abolicionista brasileiro, ao tempo do Império. Nascido no engenho Tabocas neto do tenente-coronel Francisco José da Silveira, condenado à morte por participar da Revolução Pernambucana de 1817, era filho de Manuel Lobo de Miranda Henriques e Ana Noberta da Silveira. Nascera na Paraíba, embora tenha passado parte de sua infância em Alagoas.

elaborado por Andréia Luciane

Vale a pena ler...

Ganhei coragem

Rubem Alves

“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece“, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, ledor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos“. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido“: é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos. E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre...“ Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras. As mentiras são doces. A verdade é amarga. Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos. Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro O homem moral e a sociedade imoral observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis“ por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo... Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o VolkswagenVolk, em alemão, quer dizer “povo“...

O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno“, à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...“ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.

(Folha de S. Paulo, 05/05/2002)

sábado, 11 de setembro de 2010

Vale a pena ler...


Como as corporações têm lucros por se associar a causas de caridade
                                                                                                              Slavoj Zizek

Filósofo esloveno



Eu quero desenvolver uma linha de pensamento sobre um ponto: por que, na nossa economia, a caridade não é mais apenas uma idiossincrasia de algumas pessoas boas aqui e ali, mas o componente básico da nossa economia.

No capitalismo de hoje, há uma tendência crescente em juntar [ganhar dinheiro e caridade] em um único agrupamento, de modo que quando você compra algo, o direito anticonsumista de fazer algo pelos outros, para o ambiente e assim por diante, já está incluído dentro dele.

Se você acha que estou exagerando, eles estão em toda esquina. Entre em qualquer café Starbucks, e você vai ver como eles dizem explicitamente que - eu cito a sua campanha: "Não é só o que você está comprando, é o que você está comprando." E então eles descrevem para você. Ouça: "Quando você compra Starbucks, conscientemente ou não você está comprando algo maior do que uma xícara de café. Você está comprando uma ética de café. Através do nosso programa Starbucks "Planeta Compartilhado", nós compramos mais café do ‘comércio justo’ [Fair trade] do que qualquer outra empresa no mundo, garantindo que os agricultores que cultivam o grão recebam um preço justo pelo seu trabalho árduo. E nós investimos e melhoramos as práticas de cultivo do café e as comunidades ao redor do globo. É um bom karma do café." E um pouco do preço de uma xícara de café do Starbucks ajuda a mobiliar o local com cadeiras confortáveis, e assim por diante.

Isto é o que eu chamo de capitalismo cultural na sua essência. Você não compra apenas um café, você compra sua redenção por se um mero consumista. Você sabe que faz algo pelo meio ambiente, você faz algo para ajudar as crianças famintas da Guatemala, você faz algo para restaurar o senso de comunidade aqui.

Eu poderia continuar - como o exemplo quase absurdo que é chamado Tom Shoes, uma empresa norte-americana cuja fórmula é "um-para-um". Eles alegam que a cada par de sapatos que você comprar deles, eles doam um par de sapatos para alguma nação Africana. Um ato de consumismo, mas incluso esta o fato de que, você paga para fazer alguma coisa "[boa]".
Isso gera uma espécie de -como direi?- Um superinvestimento semântico ou encargos. Você sabe que não é só comprar uma xícara de café. Ao mesmo tempo você cumpre uma série de deveres éticos. Esta lógica esta hoje quase universalizada.

Assim, meu ponto é que este é um curto-circuito muito interessante em que o próprio ato de consumo egoísta já inclui o preço de seu oposto.

Baseado contra tudo isto, penso que deveríamos voltar ao bom e velho Oscar Wilde, que ainda oferece a melhor formulação contra essa lógica da caridade. Permitam-me citar apenas um par de linhas, do início do seu A Alma do Homem sob o Socialismo, onde ele aponta que, a citar: "É muito mais fácil ter compaixão com o sofrimento que ter simpatia com as idéias."

[As pessoas] encontram-se cercadas por uma pobreza horrível, por uma feiúra horrível, pela fome terrível. É inevitável que sejam fortemente movidos por tudo isso... Assim, com intenções admiráveis, porém mal orientadas, muito seriamente e muito sentimentalmente se determinam a tarefa de remediar os males que veem. Mas os seus remédios não curam a doença: eles meramente se limitam a prorrogá-la. De fato, seus remédios são parte da doença. Eles tentam resolver o problema da pobreza, por exemplo, mantendo o pobre vivo, ou, no caso de uma escola muito avançada, divertindo os pobres.

Mas esta não é uma solução: é um agravamento da dificuldade. O objetivo adequado é tentar reconstruir a sociedade sobre uma base onde a pobreza seja impossível. E as virtudes altruístas realmente impedem a realização deste objetivo... Os piores donos de escravos foram aqueles que eram gentis com os seus escravos, e assim evitaram que os que estavam sofrendo os horrores desse sistema se apercebessem dele, e que fosse compreendido pelos que o utilizavam... A caridade degrada e desmoraliza... É imoral o uso da propriedade privada, a fim de aliviar os horríveis males resultantes da instituição da propriedade privada.

Eu acho que essas linhas são mais verdadeiras do que nunca. Por mais que pareça agradável, uma renda básica, este tipo de trocas comerciais com os ricos, não é uma solução.

Há, para mim, uma série de outros problemas. Esta é para mim a última tentativa desesperada em fazer o capitalismo: não vamos descartar o mal, vamos fazer o próprio mal trabalhar pelo bem. 30 ou 40 anos atrás, estávamos sonhando com o socialismo com um rosto humano. Hoje a visão mais radical no horizonte da nossa imaginação é o capitalismo global, com um rosto humano. Temos as regras básicas do jogo, vamos torná-lo um pouco mais humano, mais tolerante, com um pouco mais bem-estar.

Vamos dar ao diabo o que pertence ao diabo, e vamos reconhecer isso, nas últimas décadas, pelo menos, até recentemente, pelo menos na Europa Ocidental. Eu não acho que em nenhum momento na história humana uma porcentagem tão relativamente alta da população viveu em tal liberdade relativa, com bem-estar, segurança e assim por diante.

Eu vejo isso de forma gradual, mas, no entanto seriamente, ameaçado.

Estou apenas dizendo que a única maneira de salvar [o liberalismo que nutrimos] é fazendo algo mais. Eu não sou contra a caridade, em um sentido abstrato. É claro que é melhor que nada. Mas temos que estar cientes de que existe uma hipocrisia aí. Por exemplo, é claro que devemos ajudar as crianças. É horrível ver uma criança cuja vida é arruinada por causa de uma operação que custa vinte dólares. Mas, no longo prazo, você sabe, como Oscar Wilde teria dito, se você opera a criança, ela vai viver um pouco melhor, mas na mesma situação que a produziu.

Acesso em: www.adital.com.br. Dia 09.09.10

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Polaridades conceituais de Educação com prática da liberdade

Conceitos antitéticos (polaridades) trabalhados por Freire em Educação como prática da liberdade. À esquerda estão os conceitos relacionados à sociedade fechada, à direita os relacionados à sociedade aberta. Lista retirada do texto disponibilizado em pdf “Paulo Freire e a emergência das ideias libertadoras_Saviani”. Esta lista ajuda a sistematizar a argumentação de Freire nos capítulos 1 e 2.

Contatos x relações (o homem é um ser de relões e não só de contato),
Estar no mundo x estar com o mundo (o homem não apenas está no mundo, mas com o mundo, o que implica sua abertura à realidade);
Domesticação x libertação;
Viver x existir;
Acomodação, ajustamento, adaptação x integração,
Fechado x aberto (a sociedade brasileira encontrava-se em trânsito da condição de fechada para aberta);
gido x plástico;
Reflexo x reflexivo;
Funções instintivas e emocionais x funções intelectuais;
Gregário x cooperativo;
Rinocerôntico x parentético (alusão à peça de Ionesco, Os rinocerontes, por meio de Guerreiro Ramos);
Imerso x ernerso:
Mudança x trânsito (se todo trânsito é mudança, nem toda mudança é trânsito);
Sociedade fechada x sociedade em trânsito;
Sociedade em trânsito x sociedade aberta;
Acomodado, domesticado x criticizado:
Estar no trânsito x ser do trânsito (estar no trânsito, sem ser dele x estar nele, sendo dele);
Elite superposta x elite integrada;
Sociedade heterogeneamente aberta x sociedade homogeneamente aberta;
Esmagar (o oponente) x convencer, converter;
Sectário x radical;
Massa x povo;
Otimismo ingênuo (idealista) x otimismo crítico;
Autodesvalia x autoconfiança,
Receitas x projetos;
Sectarização x "democratizaçâo fundamental" [radicalização];
Assistir x participar;
Tomada de consciência x conscientização
Para o povo e sobre o povo x com o povo;
Antidiálogo (mutismo e passividade) x diálogo;
Intelectualmente x vivencialmente;
Engodo, medo, força x educação,
Consciência intransitiva x consciência transitiva;
Consciência transitivo-ingênua x consciência transitivo-crítica;
Consciência fanática x consciência crítica;
Explicações mágicas x princípios causais:
Polêmica x diálogo;
Formas de vida mudas, quietas e discursivas x formas de vida permeáveis, interrogadoras, inquietas e dialogais,
Consciência predominantemente intransitiva x consciência predominantemente transitivo-ingênua;
Consciência predominantemente transitivo-ingênua x consciência predominantemente transitivo-crítica;
Transitividade fanática x transitividade ctica

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